Histórico
Inserida nas festividades em comemoração do centenário da independência do
Brasil, em 1922, a Semana de Arte Moderna apresenta-se como a primeira
manifestação coletiva pública na história cultural brasileira a favor de um
espírito novo e moderno em oposição à cultura e à arte de teor conservador,
predominantes no país desde o século XIX. Entre os dias 13 e 18 de fevereiro de
1922, realiza-se no Theatro Municipal de São Paulo um festival com uma
exposição com cerca de 100 obras e três sessões lítero-musicais noturnas. Entre
os pintores participam Anita Malfatti, Di Cavalcanti,
Ferrignac, John Graz,Vicente do Rego
Monteiro, Zina Aita,
Yan de Almeida Prado e Antônio Paim Vieira, com dois trabalhos feitos a quatro
mãos, e o carioca Alberto Martins Ribeiro, cujo trabalho não se desenvolveu
depois da Semana de 22. No campo da escultura, estão Victor Brecheret,
Wilhelm Haarberg e Hildegardo Velloso. A arquitetura é representada por Antônio
Garcia Moya e Georg Przyrembel. Entre os literatos e poetas, tomam parte Graça
Aranha, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade
(1893 - 1945), Menotti del Picchia, Oswald de Andrade, Renato de
Almeida, Ronald de Carvalho, Tácito de Almeida, além de Manuel Bandeira
com a leitura do poema Os Sapos. A programação musical traz
composições de Villa-Lobos e Debussy, interpretadas por Guiomar Novaes e
Hernani Braga, entre outros.
A Semana de 22 não foi um fato isolado e sem origens. As
discussões em torno da necessidade de renovação das artes surgem em meados da
década de 1910 em textos de revistas e em exposições, como a de Anita Malfatti
em 1917. Em 1921 já existe, por parte de intelectuais como Oswald de Andrade e
Menotti Del Picchia, a intenção de transformar as comemorações do centenário em
momento de emancipação artística. No entanto, é no salão do mecenas Paulo
Prado, em fins desse ano, que a idéia de um festival com duração de uma
semana, trazendo manifestações artísticas diversas, toma forma inspirado na
Semaine de Fêtes de Deauville, cidade francesa. Nota-se que sem o empenho desse
mecenas o projeto não sairia do papel. Paulo Prado, homem influente e de
prestígio na sociedade paulistana, consegue que outros barões do café e nomes
de peso patrocinem, mediante doações, o aluguel do teatro para a realização do
evento. Também é fundamental seu papel na adesão de Graça Aranha à causa dos
artistas "revolucionários". Recém-chegado da Europa como romancista aclamado,
a presença de Aranha serve estrategicamente para legitimar a seriedade das
reivindicações do jovem e ainda desconhecido grupo modernista.
Sem programa estético definido, a Semana desempenha na
história da arte brasileira muito mais uma etapa destrutiva de rejeição ao
conservadorismo vigente na produção literária, musical e visual do que um
acontecimento construtivo de propostas e criação de novas linguagens. Pois, se
existe um elo de união entre seus tão diversos artífices,
este é, segundo seus dois principais ideólogos, Mário e Oswald de
Andrade, a negação de todo e qualquer "passadismo": a recusa à
literatura e à arte importadas com os traços de uma civilização cada vez mais
superada, no espaço e no tempo. Em geral todos clamam em seus discursos por
liberdade de expressão e pelo fim de regras na arte. Faz-se presente
também certo ideário futurista, que exige a deposição dos temas
tradicionalistas em nome da sociedade da eletricidade, da máquina e da
velocidade. Na palestra proferida por Mário de Andrade na tarde do dia 15,
posteriormente publicada como o ensaio A Escrava que Não É Isaura ,
1925, ocorre uma das primeiras tentativas de formulação de idéias estéticas
modernas no país. Nessa conferência, o autor antevê a importância de temperar o
processo de importação da estética moderna com o nativismo, o movimento de
voltar-se para as raízes da cultura popular brasileira. A dinâmica entre
nacional e internacional torna-se a questão principal desses artistas nos anos
subseqüentes.
Com a distância de mais de 80 anos, sabe-se que, com
respeito à elaboração e à apresentação de uma linguagem verdadeiramente
moderna, a Semana de 22 não representa um rompimento profundo na história da
arte brasileira. Pois no conjunto de qualidade irregular de obras expostas não
se identifica uma unidade de expressão, ou algo como uma estética radical do
modernismo. No entanto, há de se reconhecer que, a despeito de todos
os antagonismos, esse evento configura-se como um fato cultural
fundamental para a compreensão do desenvolvimento da arte moderna no Brasil, e
isso sobretudo pelos debates públicos mobilizados (cercados por reações
negativas ou de apoio) e riqueza de seus desdobramentos na obra de alguns de
seus realizadores.
Referência: Texto extraído da Enciclopedia de artes do Itau cultural: http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=marcos_texto&cd_verbete=344&cd_idioma=28555&cd_item=10
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